In memoriam e a propósito
de
Augusto e Aquiles Mota-Lima
Inserida na programação “Evocação de Lopes-Graça em Dezembro de
Estas duas obras
de Lopes-Graça têm a sombra de Augusto Mota-Lima, um dos três irmãos e músicos
e melómanos tomarenses que tiveram importância determinante na formação para a música do compositor tomarense
ao introduzi-lo, desde muito novo, nos serões musicais de música de câmara na sua
casa de família (a Casa do D. Prior), sita na Corredora.
Das obras apresentadas, a Sonatina nº1 foi
composta em 1931 (1ª audição em Paris, 1947, Robert Gendre violino e
HéLène Boschi piano), sendo a
10ª obra (opus 10) do
catálogo de Fernando Lopes-Graça. É uma obra da modernidade musical da época,
numa linguagem expressionista à base de um cromatismo livre, com um elevado
grau de dificuldade técnica, tanto para o violino como para o piano e tem
expressa, no frontispício, uma dedicatória a Augusto da Mota-Lima, amigo
um pouco mais velho que o compositor.
Essa
dedicatória tem como justificação o facto de durante muitos anos, Lopes-Graça ter
sido o pianista acompanhador preferido do violinista Augusto Mota-Lima, com
quem atuou, com alguma frequência, durante toda a década de vinte, nos mais
variados concertos e audições de beneficência realizados em Tomar e não só.
A
dedicatória a Augusto Mota-Lima na partitura foi assim, a forma de o compositor
assinalar e expressar tal colaboração.
Também o Pequeno Tríptico (opus 124), escrito em
1960 (1ª audição
no Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, Rafael Couto/Lopes Graça, Nov.
1961), em comum com a Sonatina
tem, de novo, a sombra de Augusto Mota-Lima na génese de tal opus.
Em 1960 foi
o ano da dupla Comemoração – a Henriquina e a da Fundação de Tomar, em
que Aquiles da Mota-Lima, irmão de Augusto, integrou a Comissão Organizativa
com o pelouro da parte cultural, numa
programação onde tentou incluir um concerto com variados intérpretes, só com música de Fernando Lopes-Graça.
A 10 de
Março desse ano e dentro da correspondência trocada no âmbito da realização de
tal concerto, Aquiles da Mota Lima insinua por carta ao compositor que, se você tivesse uma peça para o meu irmão Augusto tocar, que não fosse muito
transcendente... isto na perspectiva de
reedição da dupla Lopes-Graça piano
e Augusto Mota Lima violino.
A insinuação do
amigo foi ordem para Lopes-Graça, como
se pode concluir da leitura de uma outra carta arquivada no mesmo processo em que, com a data de 28 de
Março, Augusto Mota-Lima acusa a recepção da partitura de Lopes-Graça, respondendo-lhe que
a vou trabalhar com o melhor
interesse para ver se consigo que o compositor não se arrependa de ma ter
confiado. Há que lembrar que Augusto
da Mota-Lima estava então já um pouco doente e com setenta e um anos de idade não
podendo, por isso mesmo, dedicar muitas horas de atenção e estudo ao violino e,
só assim se explica na correspondência trocada, o pedido feito por Aquiles de que
fosse uma obra “não muito transcendente”
para o irmão, assim como os receios que Augusto manifestou ao afirmar que “vamos a ver se consigo”...
A 24 de Abril, a hipótese de realização do concerto foi convenientemente
gorada (estamos em 1960) com a
justificação de que o Cine-Teatro de Tomar
foi cedido para um Sarau do Colégio Nuno
Álvares. Gorado o concerto, Augusto Mota
Lima escreve então a Lopes-Graça agradecendo a impressionante gentileza de ter escrito o seu tríptico com prejuízo dos seus afazeres e até das
exigências do seu talento, para que eu pudesse colaborar no concerto.
Por este
episódio ficamos a saber que o Pequeno Tríptico para Violino e Piano, terá sido uma obra considerada pelo compositor
Lopes-Graça como não muito trascendente, assim cumprindo as recomendações enunciadas
por Aquiles da Mota Lima.
Trata-se de mais uma pequena estória de vida em torno de Fernando Lopes-Graça e da sua obra, onde, como extensão da estética observada na sua obra, o local (os amigos Mota Lima) e o universal (os opus de violino) se tocam e confundem ou, transpondo para os dias de hoje, a prova de que se pode fazer boa música até com músicos locais...
Assim haja seriedade e vontade.
António
de Sousa
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