In memoriam e a propósito  

de

Augusto e Aquiles Mota-Lima

 

            Inserida na programação “Evocação de Lopes-Graça em Dezembro de 2009” teve lugar, no Auditório Lopes-Graça - Canto-Firme, a 5 de Dezembro, a “audição comentada” da Sonatina nº 1 e do Pequeno Tríptico, duas obras para violino e piano de Lopes-Graça, cuja execução foi realizada pelo Duo Dópio, ficando a incumbência da sua apresentação e análise para António de Sousa. 

            Estas duas obras de Lopes-Graça têm a sombra de Augusto Mota-Lima, um dos três irmãos e músicos e melómanos tomarenses que tiveram importância determinante na formação para a música do compositor tomarense ao introduzi-lo, desde muito novo, nos serões musicais de música de câmara na sua casa de família (a Casa do D. Prior), sita na Corredora.  

            Das obras apresentadas, a Sonatina nº1 foi composta em 1931 (1ª audição em Paris, 1947, Robert Gendre violino e HéLène Boschi piano), sendo a 10ª obra (opus 10) do catálogo de Fernando Lopes-Graça. É uma obra da modernidade musical da época, numa linguagem expressionista à base de um cromatismo livre, com um elevado grau de dificuldade técnica, tanto para o violino como para o piano e tem expressa, no frontispício, uma dedicatória a Augusto da Mota-Lima, amigo um pouco mais velho que o compositor.

            Essa dedicatória tem como justificação o facto de durante muitos anos, Lopes-Graça ter sido o pianista acompanhador preferido do violinista Augusto Mota-Lima, com quem atuou, com alguma frequência, durante toda a década de vinte, nos mais variados concertos e audições de beneficência realizados em Tomar e não só.

            A dedicatória a Augusto Mota-Lima na partitura foi assim, a forma de o compositor assinalar e expressar tal colaboração. 

            Também o Pequeno Tríptico (opus 124), escrito em 1960 (1ª audição no Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, Rafael Couto/Lopes Graça, Nov. 1961), em comum com a Sonatina tem, de novo, a sombra de Augusto Mota-Lima na génese de tal opus.

            Em 1960 foi o ano da dupla Comemoração – a Henriquina e a da Fundação de Tomar, em que Aquiles da Mota-Lima, irmão de Augusto, integrou a Comissão Organizativa com o pelouro da parte cultural,  numa programação onde tentou incluir um concerto com variados intérpretes,  só com música de Fernando Lopes-Graça.

            A 10 de Março desse ano e dentro da correspondência trocada no âmbito da realização de tal concerto, Aquiles da Mota Lima insinua por carta ao compositor que, se você tivesse uma peça para o meu irmão Augusto tocar, que não fosse muito transcendente... isto na perspectiva de reedição da dupla Lopes-Graça piano e Augusto Mota Lima violino.

            A insinuação do amigo foi ordem para Lopes-Graça,  como se pode concluir da leitura de uma outra carta arquivada  no mesmo processo em que, com a data de 28 de Março, Augusto Mota-Lima acusa a recepção da  partitura de Lopes-Graça, respondendo-lhe que a vou trabalhar com o melhor interesse para ver se consigo que o compositor não se arrependa de ma ter confiado. Há que lembrar que Augusto da Mota-Lima estava então já um pouco doente e com setenta e um anos de idade não podendo, por isso mesmo, dedicar muitas horas de atenção e estudo ao violino e, só assim se explica na correspondência trocada, o pedido feito por Aquiles de que fosse uma obra “não muito transcendente” para o irmão, assim como os receios que  Augusto manifestou  ao afirmar que “vamos a ver se consigo”...

            A 24 de Abril, a hipótese de realização do concerto foi convenientemente gorada (estamos em 1960) com a justificação de que  o Cine-Teatro de Tomar foi  cedido para um Sarau do Colégio Nuno Álvares. Gorado o concerto,  Augusto Mota Lima escreve então a Lopes-Graça agradecendo a impressionante gentileza de ter escrito o seu tríptico  com prejuízo dos seus afazeres e até das exigências do seu talento, para que eu pudesse colaborar no concerto. 

            Por este episódio  ficamos a saber que o Pequeno Tríptico para Violino e Piano,  terá sido uma obra considerada pelo compositor Lopes-Graça  como não muito trascendente, assim cumprindo as recomendações enunciadas por Aquiles da Mota Lima.   

            Trata-se de mais uma pequena estória de vida em torno de Fernando Lopes-Graça e da sua obra, onde, como extensão da estética observada na sua obra, o  local (os amigos Mota Lima) e o  universal (os opus de violino) se tocam e confundem ou, transpondo para os dias de hoje, a prova de que  se pode  fazer boa música até com músicos locais... 

Assim haja seriedade e vontade. 

                                                                                   

                                                                        António de Sousa  

 

 

 

 

Comentários

Mensagens populares deste blogue